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Liberdade de Associação e sua aplicação frente aos Residenciais em loteamento fechados e a legalidade as cobranças judiciais das taxas associativas.
A Constituição Cidadã acaba de completar seus festejados 36 (trinta e seis) anos, de plena consolidação dos “direitos fundamentais”. Não há dúvida de que o texto constitucional alcançou seu objetivo de assegurar o exercício da liberdade, entre outros direitos, o que certamente contribuiu significativamente com o fortalecimento das instituições democráticas e com o pleno desenvolvimento da sociedade brasileira nas últimas décadas, em que pese algumas desigualdades que precisam ser combatidas.
O objetivo deste texto é refletir especificamente sobre o direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal, que garante ao cidadão, dentre outras liberdades fundamentais, a liberdade de associação, nos seguintes termos: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Neste contexto, surge a tensão jurídica com os empreendimentos conhecidos como loteamentos fechados, cuja administração ocorre por meio de “associações civis”, regidas por um Estatuto Social e que devem observar esta norma constitucional de eficácia imediata.
Os empreendimentos regularmente constituídos estão regulamentados pela Lei 6.766/79 e, portanto, autorizados a estabelecerem o rateio das despesas para manutenção das áreas de uso comum, portaria, segurança. Mesmo assim, enfrentam dificuldades ao ingressarem na justiça para cobrar o associado do inadimplemento da taxa de manutenção que se comprometeu a quitar no ato da aquisição do imóvel e que, mesmo com a comprovação de adesão inserida na própria matrícula do imóvel, perdem suas demandas judiciais. Tudo em razão da interpretação e aplicação deste celebrado direito fundamental, que garante à liberdade de associação, cujo propósito é assegurar, sim, um direito fundamental. Porém, em certos casos, é utilizado de maneira equivocada por aqueles que possuem obrigações financeiras pendentes para com a associação que zela por sua propriedade.
O associado, quando recebe a cobrança ou a citação para defesa em uma demanda judicial proposta pela associação, invoca como um “mantra” a frase “que jamais se associou”, tudo com o propósito de ver o seu direito acolhido e, por consequência, receber uma isenção judicial e, portanto, perpétua deste rateio, mesmo usufruindo dos serviços que inclusive valorizam sua propriedade.
Frente a este desequilíbrio, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Cidadã, por meio do Tema 492, oriundo do Recurso Especial nº 695911/SP, estabeleceu o que deveria colocar um fim a esta celeuma jurídica. Porém, não é o que observamos em muitos casos, o que exige maior cuidado na preparação e distribuição das ações de cobrança.
O Tema 492 abre a possibilidade de uma interpretação equivocada quando o magistrado não observa que a taxa de manutenção somente deve ser considerada inconstitucional quando certos requisitos não são observados. Este foi o direcionamento do Supremo Tribunal Federal. Cabe ao julgador avaliar se tais pressupostos foram cumpridos, não se limitando a exigir como única prova a filiação expressa, uma vez que tal exigência foi fixada somente para débitos anteriores ao ano de 2017, como vamos esclarecer adiante. Tudo para não tornar equivocada a aplicação desta exigência instituída pelo Tema 492, cujo texto se aplica a todos os processos em razão de sua repercussão geral.
Observemos atentamente o texto do Tema 492: “É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis.”
Nota-se que o texto gera uma certa incompreensão ao iniciar com o peremptório termo “É inconstitucional a cobrança”. E será que é mesmo? Vejamos.
Em um primeiro momento, os moradores em loteamentos fechados e as empresas que os auxiliam no recebimento dos créditos enxergaram um risco de comprometimento de suas operações de cobrança. Porém, observamos que a decisão, muito pelo contrário, trouxe avanços e que não atingiu aqueles empreendimentos residenciais regularmente constituídos. É necessário, neste momento, pontuar tais avanços, que podem ser denominados de “requisitos da constitucionalidade” das taxas de manutenção em loteamentos fechados.
O valor instituído a título de taxa de manutenção refere-se às despesas com serviços de segurança, zeladoria, entretenimento com eventos sociais e esportivos, tudo com orçamento e rateio das despesas que originam a cobrança e aprovadas em Assembleia Geral. Portanto, a comprovação desta adesão é materializada em diversos procedimentos, os quais devem ser cuidadosamente provados para revestir de legalidade tal cobrança.
Neste sentido, abordamos a importância de estas associações possuírem todo o histórico do empreendimento desde sua concepção, os documentos constitutivos de sua fundação, o contrato padrão assinado pelos proprietários, que geralmente já trazem cláusulas de vinculação sucessória com o dever deste adquirente futuro observar a imposição desta obrigação de rateio desta taxa de manutenção.
Além disso, os contratos de concessões pactuados com o Poder Público Municipal, que autorizam a instalação de uma portaria e o uso das áreas públicas localizadas no interior do empreendimento, certamente viabilizam a cobrança judicial dos valores não quitados e sua constitucionalidade.
Outro ponto muito bem sustentado no Tema 492 é que o Supremo Tribunal Federal, de uma maneira didática, fixou os conceitos extraídos da Lei 6.766/79 e pela Lei 13.465/2017, para fazer um marco divisório das taxas cobradas antes e depois da atualização legislativa que se deu em 2017. Essa atualização equiparou as associações às administradoras de imóveis, legitimando-as a administrar e fazer cumprir as regras internas de convivência, valorizando os imóveis que integram o empreendimento. Isso representa um avanço.
Nos próximos textos, abordaremos com detalhes a repercussão desta decisão do Supremo Tribunal Federal na rotina diária dos loteamentos de acesso controlado, a importância de possuírem um Estatuto Social que reflita tais direitos e deveres associativos, Regulamentos Internos e de Obras, o significado de restrições urbanísticas e convencionais gravadas na matrícula do imóvel, e a natureza da dívida “propter rem” e seu impacto neste tipo de empreendimento.